Nova técnica revela a história geológica da Terra ao analisar grãos de areiaComo se sabe a idade das coisas e de eventos antigos da Terra?
Não há consenso sobre a necessidade da mudança, e por diversas razões. A principal delas, refletida, inclusive, no nome da possível nova época, é a influência humana no planeta. Hoje, sabemos que as modificações que fazemos têm consequências para todo o planeta, o que nem sempre foi considerado. Nos anos 1920, por exemplo, se pensava que a Terra era grande demais para se afetar por nós. Embora não consigamos destruí-la, fisicamente falando, conseguimos modificar paisagens e clima de formas até mesmo irreversíveis.
O que significa o Antropoceno
No momento, um dos 4 comitês decidem, internamente, em qual ano acreditam que o Antropoceno tenha se iniciado. Após a decisão, que deve ocorrer no final do verão, em 2023, a proposta final será submetida aos outros 3 comitês de geólogos pelo mundo, que votarão para rejeitar ou oficializar a nova época. Pelo menos 60% de cada comitê deve aprovar a proposta do grupo para avançá-la ao próximo. Caso contrário, a decisão pode ser adiada por anos. Em um certo sentido, oficializar o Antropoceno é reconhecer a influência das ações humanas no nosso planeta, assumir que tais efeitos ficarão marcados nas rochas, perceptíveis por milênios. Afinal, transições geológicas levam esse tipo de mudança global em consideração, e é por isso que alguns cientistas estão preocupados com a escolha, seja ela a favor ou contra o Antropoceno. Uma das grandes preocupações é a de que a oficialização da nova época seja usada como um palanque para declarações políticas, uma maneira de avançar pautas ecológicas, por exemplo. No tempo geológico, por exemplo, o Antropoceno seria um grão de areia, um microssegundo na história. Marcações geológicas temporais ajudam os cientistas a compreender e estudar períodos sem registros escrito e permitem poucas observações científicas apenas por meio de seus vestígios. Já a “era dos humanos” é detalhadamente documentada, com poucos espaços verdadeiramente em branco — não haveria necessidade de uma terminologia geológica, já que temos os anos exatos de cada acontecimento importante. Se aceitar a nova época parece muito precipitado, há quem diga que negá-la também seria, representando outro espectro do palanque político, desta vez um que nega a influência humana no planeta, ou que acredita que nossas ações serão apagadas pelas eras como folhas levadas pelo vento. De qualquer forma, essa decisão também terá de ser justificada por cada comitê.
Implicações científicas da mudança de época
As consequências do Antropoceno para a comunidade científica serão gerais, assim como é a classificação de um animal por um zoólogo ou de um planeta para um astrônomo. Classificar eras e épocas é um trabalho conservador como qualquer outro na ciência, já que mudará estudos acadêmicos, museus, livros didáticos e muito mais por gerações a fio. A divisão geológica atual é dividida, de forma crescente, em Éons, Eras, Períodos, Épocas e Idades. No momento, na Idade Megalaiana da Época do Holoceno, dentro do Período Quaternário da Era Cenozoica do Éon Fanerozoico — isso desde 4.200 anos atrás. Medir mudanças não é fácil, já que registros rochosos estão cheios de lacunas e mostram modificações de forma gradual. É raro encontrar pontos bem definidos como a queda do meteorito de Chicxulub na Península de Yucatán, que aniquilou os dinossauros e terminou o Período Cretáceo. Não há nada tão preciso quanto isso em termos geológicos. O Período Cambriano, de 540 milhões de anos atrás, por exemplo, tem seu início contestado por décadas. O Quaternário, após longas discussões, foi remodelado em 2009. Em 2019, Grupo de Trabalho do Antropoceno definiu que ele começaria em meados do século XX, quando emissões de gases do efeito estufa, atividade econômica e população humanas subiram vertiginosamente. Mostradores geológicos como isótopos de plutônio de explosões nucleares, nitrogênio de fertilizantes e cinzas de usinas energéticas ficarão, perenes, no mundo. E assim como outras marcações geológicas, o Antropoceno terá uma “cavilha de ouro”, um marco físico que demonstre, por registros rochosos, o que o difere do tempo anterior. A votação para o marco já aconteceu, levando 9 locais em conta, entre eles o gelo da Península Antártica, uma turfeira na Polônia, um recife de corais na costa do estado americano da Louisiana e uma baía no Japão. Também já foi votada a definição a ser dada ao Antropoceno, ou seja, se ele será uma época, uma idade do Holoceno ou outra marcação temporal.
Controvérsias e ideias
Há dúvidas sobre a definição no meio do século XX, que é estranhamente próxima a nós. Para os arqueólogos e antropólogos, chamar objetos da Segunda Guerra Mundial de “pré-antropocênicos” será, no mínimo, esquisito. Usar isótopos de bombas nucleares também é desconfortável, ou até mesmo sem sentido. Radionuclídeos dos eventos são marcantes para os humanos, mas não querem dizer nada para as mudanças climáticas ou outros eventos mais importantes causados por nós. A Revolução Industrial, outro marco interessante, também deixaria de fora milênios de mudanças humanas como agricultura e desmatamento, que modificaram bastante o planeta. Reconhecer o Antropoceno é importante como uma forma de assumir responsabilidades, compreender que não só arranhamos a superfície da Terra, mas fazemos muito mais. Há um argumento que leva isso em consideração, mas dá outra ideia, menos inflexível: chamar o Antropoceno de evento. Um evento é um acontecimento transformador para o planeta, mas que não aparece como uma mudança na linha do tempo, sem regulamentação pela burocracia científica. Quando o oxigênio invadiu os ares da Terra, há cerca de 2 bilhões de anos, ele se tornou o Grande Evento de Oxidação, assim como o são as extinções em massa. Cientistas de várias áreas já usam o termo “Antropoceno”, neste sentido, como um reconhecimento da chegada e influência humana por aqui. A ideia é boa — mas teremos de esperar o final das decisões, no ano que vem, para descobrir o que se fez, ou se desfez, acerca do Antropoceno. Fonte: The New York Times